Antes que Ana
Maria e Rafael começassem a subir, a voz de uma criança soou nos seus ouvidos:
-
Na placa está escrito que as crianças e os adolescentes só podem subir
acompanhados de seus pais. Mas como eu posso subir se não tenho nem pai e nem
mãe?
-
Qual o seu nome, garoto – perguntou-lhe, Rafael.
-
Zezé – respondeu o menino.
-
Zezé, você se parece muito com uma pessoa que eu conheci, quando ele tinha a
sua mesma idade. Mas você não deve ser filho dele, acho que ele é seu avô. Por
acaso ele não se chama Delson? – lhe perguntou, Ana Maria.
-
Não, meu avó se chama Dé – Zezé disse com simplicidade.
Os
olhos de Ana Maria marejaram. Desde aquele fatídico dia, nunca mais pudera
estar com Dé. E agora ela estava diante de seu netinho, que além disso era
órfão, como ela era desde a sua infância.
-
O Vovô Dé não está aqui com você?
-
Não – respondeu uma voz feminina. – Ele ficou em casa com uma gripe muito
forte. Ele queria ter vindo, mas não estava em condições de sair, porém me
pediu que viesse. E eu trouxe o Zezé comigo. Ele mora conosco desde que seus
pais morreram num desastre de avião.
-
Zezé! – Rafael entrou na conversa. - A profecia diz que para os órfãos haverá
de descer alguém pela ponte para resgatá-los e leva-los para o alto. Vocês não
podem ir sozinhos. Ana Maria tentou fazer isso. Mas não foi por causa disso que
a ponte desmoronou. Foi porque eu olhei para trás.
-
Não, Rafael – interrompeu-o, Ana Maria. - As duas coisas contribuíram para o
desastre. Porém, tudo começou porque eu o induzi a subir. Mas agora isso já não
importa. A ponte foi restaurada pelo nosso querido filho. – Depois,
dirigindo-se ao Zezé, falou-lhe: - Você deve confiar em que alguém virá lhe
pegar.
-
O que ocorreu com todos aqueles que morreram e não subiram pela ponte; e também
aos órfãos que morreram sem que pudessem subir e sem que ninguém viesse resgatá-los?
– perguntou alguém da multidão.
-
Eu estudei alguns livros que falam da profecia e de tudo o que se refere a ela.
Não consegui obter uma resposta certeira sobre essa questão. Mas me pareceu que
se poderia classificar os mortos em três tipos. Aqueles que não puderam subir
pela ponte, porque seus pais não as conduziram ou por serem órfãos, teriam sido
levados para o alto por outro meio. Os adultos mortos que não subiram pela
ponte por não darem muita importância à profecia ou por não a conhecerem
chegariam no parque do céu por outro caminho mais árduo, doloroso e longo. Mas
os que desprezaram e achincalharam a profecia nunca chegariam ao alto, mas
vagariam para sempre sem rumo pelo deserto. – Assim, Rafael tentou transmitir o
que sabia sobre a pergunta que lhe fora feita.
Após
um pequeno silêncio, Ana Maria disse:
-
Espero que todos vocês se atrevam a nos seguir rumo ao desconhecido, mas
certeiro caminho que propicia uma permanente honra para quem por ele ousar
andar.
Rafael
e Ana Maria deram as mãos, viraram-se em direção a subida e, com passos serenos
e firmes, retomaram aquela aventura que, de modo errado tentaram realizar
quando eram adolescentes. Agora, sem hesitar e sem olhar para trás foram se
distanciando da multidão num rumo certo para o alto. Atrás deles foram os
parentes dos ajudantes de Augusto. Ninguém olhou para trás. E a multidão viu
como todos iam se perdendo de vista ao chegarem à estratosfera, à distância de
10 km da superfície terrestre. Logo, alguns adultos e crianças e adolescentes,
acompanhados pelos seus pais, também tomaram a decisão de dirigir seus passos
rumo ao alto. E esse movimento de gente disposta a seguir o mesmo destino, foi
se fazendo, com o tempo, mais numeroso. Mas, naquele momento, Zezé não pode
realizar esse sonho por isso, ao lado da sua avó, chorou amargamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário