sábado, 29 de agosto de 2015

VII. A Reconstrução

Durante algum tempo, as crianças continuaram a brincar naquele parque onde, antes, havia uma ponte que subia para o céu a perder de vista, mas que agora só havia um toquinho dela. Porém, não passou muito tempo para que os adultos começassem a pôr interesse imobiliário naquele terreno. Tiraram as crianças e os brinquedos, que foram para um depósito ou viraram peças de ferro-velho. Não ousaram tocar na ponte, ou no toco de ponte que sobrou. Também não se atreveram a tirar a placa da entrada, mas puseram sobre ela um manto em forma de tenda para cobri-la.

Transcorreram-se os anos. Primeiro vieram as casas térreas, que foram substituídas por sobrados. Depois chegaram os pequenos prédios, que deram lugar aos arranha-céus. Passaram-se muitos anos e aquele parque transformou-se num aglomerado de edifícios enormes, que ultrapassavam em grande altura o que sobrara da ponte. Também viadutos se cruzavam por baixo e por cima dela, por aqui e por ali. Sobre a relva, foi emplastada placas de concreto. Onde havia árvores, agora há postes com potentes holofotes. Mas a ponte, ou melhor, o que sobrou dela, ninguém se atrevia a demolir. Porém, ninguém mais se apercebia da sua existência. Ninguém falava mais dela e nem do que ocorrera com ela. A velha lenda ficou no esquecimento. Algum ou outro mais curioso enfiava a cabeça por debaixo da lona que cobria a placa para ver o que havia. Mas como estava muito escuro e não se enxergava nada, desenfiavam a cara e seguiam, com ar de indiferentes, seus caminhos.

O tempo continuou a correr e outras construções mais sólidas, confortáveis e seguras eram erguidas naquele antigo parque. Mas na ponte, ou melhor, naquilo que restara da ponte, ninguém jamais se atrevia a mexer.

Mas um dia, quarenta e cinco anos após aquele fatídico desastre com Rafael e Ana Maria, apareceu por lá – em meio àquele amontado de prédios e viadutos - um rapaz trigueiro, que teria por volta de trinta anos. Ele ficou olhando, intrigado, para aquele toco de ponte que subia para terminar no vazio. Seus pais sempre contaram, desde que era criança, a lenda daquela ponte e também a estória dos adolescentes que tentaram subi-la e não conseguiram, porque ela se rompeu. Desde a primeira vez que ouviu, ele acreditou que a lenda era verdadeira e que o que ocorrera com os adolescentes foi real – apesar de que seus pais a contavam como se fosse pura ficção.

Aquele rapaz se chamava Augusto. Apesar de jovem e com poucos anos de profissão, já era considerado um engenheiro de prestígio, principalmente por serem suas edificações bem solidas, belas e funcionais. Não era rico, mas possuía uma capitalização de bens, conquistado com seu trabalho e também pelo patrimônio que seus pais lhe deixaram. Então, decidiu comprar aquele antigo parque, que não era mais parque, mas um amontoado de prédios e viadutos, com uma ponte velha, ou melhor, com uma ponte incrustada e que não chegava a lugar nenhum.

Sua primeira providência foi pôr abaixo toda aquela estrutura de concreto para voltar a fazer daquele espaço um parque de lazer para as crianças. Mas isso era só o projeto inicial da sua grande meta, que era reconstruir aquela ponte quebrada.

Quando Augusto anunciou ao mundo o seu propósito, muitíssimos voltaram a se lembrar de que era comum a noção de que aquela estrutura fora construída por um sábio antigo, com uma tecnologia mega-avançada, nunca jamais conquistada por civilização alguma da terra em nenhuma época.  Apesar de seu prestígio, ninguém acreditou que ele fosse capaz de refazer aquela obra misteriosa. Mas ele sabia, melhor do que ninguém, do que era capaz. 

Antes de iniciar os trabalhos, retirou a lona que cobria a placa. Assim, todos voltaram a ler os seus dizeres:  “Nesta ponte todos podem subir livremente, mas as crianças e os adolescentes só devem subir acompanhados de seus pais. Quem venha por ela, não olhe mais para trás”.

Então, escolheu homens a dedo, preparou-os e, com equipamentos supermodernos, industrializados com tecnologia avançadíssima, foi acrescentando à ponte, ou melhor ao toco de ponte, tramo a tramo de perfil pré-moldado de concreto. E a ponte foi avançando, deixando, pouco a pouco, de ser uma rampa no vazio. Assim, ela se perdeu de vista no firmamento do céu; sem que se pudesse saber a que destinos inalcançáveis estaria agora o engenheiro construtor, seus homens e suas maquinarias.


No parque, muitas crianças voltaram a brincar nele. 

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