Durante
algum tempo, as crianças continuaram a brincar naquele parque onde, antes, havia
uma ponte que subia para o céu a perder de vista, mas que agora só havia um
toquinho dela. Porém, não passou muito tempo para que os adultos começassem a
pôr interesse imobiliário naquele terreno. Tiraram as crianças e os brinquedos,
que foram para um depósito ou viraram peças de ferro-velho. Não ousaram tocar
na ponte, ou no toco de ponte que sobrou. Também não se atreveram a tirar a
placa da entrada, mas puseram sobre ela um manto em forma de tenda para
cobri-la.
Transcorreram-se
os anos. Primeiro vieram as casas térreas, que foram substituídas por sobrados.
Depois chegaram os pequenos prédios, que deram lugar aos arranha-céus.
Passaram-se muitos anos e aquele parque transformou-se num aglomerado de
edifícios enormes, que ultrapassavam em grande altura o que sobrara da ponte.
Também viadutos se cruzavam por baixo e por cima dela, por aqui e por ali.
Sobre a relva, foi emplastada placas de concreto. Onde havia árvores, agora há
postes com potentes holofotes. Mas a ponte, ou melhor, o que sobrou dela, ninguém
se atrevia a demolir. Porém, ninguém mais se apercebia da sua existência.
Ninguém falava mais dela e nem do que ocorrera com ela. A velha lenda ficou no
esquecimento. Algum ou outro mais curioso enfiava a cabeça por debaixo da lona
que cobria a placa para ver o que havia. Mas como estava muito escuro e não se
enxergava nada, desenfiavam a cara e seguiam, com ar de indiferentes, seus
caminhos.
O
tempo continuou a correr e outras construções mais sólidas, confortáveis e
seguras eram erguidas naquele antigo parque. Mas na ponte, ou melhor, naquilo
que restara da ponte, ninguém jamais se atrevia a mexer.
Mas
um dia, quarenta e cinco anos após aquele fatídico desastre com Rafael e Ana
Maria, apareceu por lá – em meio àquele amontado de prédios e viadutos - um
rapaz trigueiro, que teria por volta de trinta anos. Ele
ficou olhando, intrigado, para aquele toco de ponte que subia para terminar no
vazio. Seus pais sempre contaram, desde que era criança, a lenda daquela ponte
e também a estória dos adolescentes que tentaram subi-la e não conseguiram,
porque ela se rompeu. Desde a primeira vez que ouviu, ele acreditou que a lenda
era verdadeira e que o que ocorrera com os adolescentes foi real – apesar de que
seus pais a contavam como se fosse pura ficção.
Aquele
rapaz se chamava Augusto. Apesar de jovem e com poucos anos de profissão, já
era considerado um engenheiro de prestígio, principalmente por serem suas
edificações bem solidas, belas e funcionais. Não era rico, mas possuía uma
capitalização de bens, conquistado com seu trabalho e também pelo patrimônio
que seus pais lhe deixaram. Então, decidiu comprar aquele antigo parque, que
não era mais parque, mas um amontoado de prédios e viadutos, com uma ponte
velha, ou melhor, com uma ponte incrustada e que não chegava a lugar nenhum.
Sua
primeira providência foi pôr abaixo toda aquela estrutura de concreto para
voltar a fazer daquele espaço um parque de lazer para as crianças. Mas isso era
só o projeto inicial da sua grande meta, que era reconstruir aquela ponte
quebrada.
Quando
Augusto anunciou ao mundo o seu propósito, muitíssimos voltaram a se lembrar de
que era comum a noção de que aquela estrutura fora construída por um sábio
antigo, com uma tecnologia mega-avançada, nunca jamais conquistada por
civilização alguma da terra em nenhuma época.
Apesar de seu prestígio, ninguém acreditou que ele fosse capaz de
refazer aquela obra misteriosa. Mas ele sabia, melhor do que ninguém, do que
era capaz.
Antes de
iniciar os trabalhos, retirou a lona que cobria a placa. Assim, todos voltaram
a ler os seus dizeres: “Nesta ponte
todos podem subir livremente, mas as crianças e os adolescentes só devem subir
acompanhados de seus pais. Quem venha por ela, não olhe mais para trás”.
Então, escolheu
homens a dedo, preparou-os e, com equipamentos supermodernos, industrializados
com tecnologia avançadíssima, foi acrescentando à ponte, ou melhor ao toco de
ponte, tramo a tramo de perfil pré-moldado de concreto. E a ponte foi
avançando, deixando, pouco a pouco, de ser uma rampa no vazio. Assim, ela se
perdeu de vista no firmamento do céu; sem que se pudesse saber a que destinos
inalcançáveis estaria agora o engenheiro construtor, seus homens e suas
maquinarias.
No
parque, muitas crianças voltaram a brincar nele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário