segunda-feira, 6 de julho de 2015

I. A Ponte

As crônicas que relatam os últimos acontecimentos, antes da grande transformação, contam que, numa capital pacata de um certo Estado qualquer, uns garotos brincavam no parque da cidade. A algazarra elevava-se gozosa, em gritos de alegria, como se fossem serpentinas jogadas ao ar. Correrias fluíam, parecendo corredeiras de rios de montanha. 


Bem no meio do parque havia uma ponte de madeira nobre. Seu piso fora ricamente construído como se fosse um salão de festa de um suntuoso palácio. Em seus corrimões foram talhadas, em alto relevo, figuras imensamente belas que lembravam plantas e animais, mas não representavam nenhum ser real, pois eram imensamente mais majestosas. Ninguém conhecia o seu construtor, mas era unânime a ideia de que quem a fizera era um sábio, pois fora feita com tecnologia extremamente avançada e ignorada para a época. Ela se estendia do parque até ás alturas do firmamento, onde se perdia de vista.


Num sábado, apareceu no parque uma menina, órfã de pai e mãe, que teria por volta de onze anos. Levava duas tranças no cabelo, que lhe escorriam pelas faces e estavam arrematadas com fitas vermelhas cintilantes. Era a primeira vez que ia ali para brincar. Ela ficou observando uns garotos que jogavam queimada.


Suado e morto de sede, saiu do jogo um garoto sarnento para beber água no bebedouro mais próximo. Ao voltar, viu a menina de trança olhando o jogo e se dirigiu à ela:


- Olá! Qual é o seu nome? Eu vi você chegando outro dia na creche, mas não nos apresentamos.


- Eu me chamo Ana Maria. É, de fato eu cheguei à creche faz dois dias e é a primeira vez que eu venho aqui.


- Ah! Meu nome é Dé. Daqui a um mês vou fazer dez anos.
- Você se chama Dé? – perguntou com espanto, Ana Maria.


- Bem, Dé não é o meu nome propriamente – disse ele encabulado. – Meu nome, na verdade, é Delson. Não sei porque os pais põem esses nomes na gente. Eles me disseram o porquê, mas eu não me lembro mais. Mas Dé eu gosto, pode me chamar assim. Olha, você não quer brincar conosco?


- Não, eu prefiro ficar olhando vocês – respondeu ela, timidamente.


- Então eu vou voltar para o jogo que o pessoal está me chamando.


Ana Maria continuou olhando a molecada se “queimando” uns aos outros e se divertindo. De repente, alguém arremessou a bola com muita força e ela foi parar próxima à ponte que subia para o alto. Ela falou para todos:


- Deixa que eu vou pegar a bola para vocês.


Ao chegar à entrada da ponte, onde a bola havia parado, ela ficou olhando extasiada aquela estrada de madeira que vinha do céu até os seus pés. Leu, então, uma placa colocada na falda da ponte que trazia os seguintes dizeres: “Nesta ponte todos podem subir livremente, mas as crianças e os adolescentes só devem subir acompanhados de seus pais. Quem venha por ela, não olhe mais para trás”.


Como Ana Maria não voltava com a bola para dar continuidade ao jogo, Dé foi atrás dela apressado. Mas vendo-a tão absorta e com os olhos fixos na ponte, tirou-a do seu êxtase:


- Hei! Ana Maria, acorda. O que você está olhando com tanto interesse?


- Dé, onde vai dar essa ponte?, – perguntou ela.


- Os mais velhos dizem que ninguém sabe o que existe no outro lado dela – alardeou com ar de entendido. – Mas há uma profecia que fala da existência de um parque lá em cima cheio de jogos e brinquedos variadíssimos, muito mais legal e encantador que este.


À essa altura, foram se aproximando os outros garotos. Afinal, queriam continuar o jogo, mas sem a bola não podiam. Ana Maria, perguntou então a todos:


- Nunca ninguém de vocês se interessou em subir por essa ponte para conhecer o parque lá do céu?


- Eu sempre quis subir – respondeu uma menina de oito anos com remelo nos olhos.


- Eu também – emendou outro.


- E eu. – E eu. – E eu, – vários manifestaram o desejo que tinham de enveredar-se por aquela ponte.


- Mas nossos pais nunca quiseram nos levar, porque nos disseram que não sabem se o que existe lá em cima é mesmo o parque do qual fala a profecia. Muito raramente nós vemos alguns adultos subindo sozinhos ou pais e mães levando também seus filhos. Mas eles nunca voltaram para informar se a profecia é verdadeira – explicou um menino que parecia o mais velho da turma, o qual Ana Maria já vira na creche para onde ela fora levada havia dois dias.


- E como ninguém jamais foi e voltou para nos confirmar a profecia, então nossos pais nunca nos levaram lá em cima – disse, Dé, com ar tristonho.


- E quem não tem pai e nem mãe para levar, como pode chegar lá? – insistia, Ana Maria.


- A profecia diz também que para os órfãos descerá um dia alguém pela ponte, que irá adotar eles e vai levar todos para o alto – respondeu o menino mais velho.


Ana Maria ainda ficou olhando a ponte durante um bom tempo, depois que os outros meninos voltaram para o jogo com a bola. Foi quando viu um esquilo entrando nela apressado, subindo em disparada, logo parar, virar-se para trás e dar uma vista geral no parque. Então, ele fixou os seus olhos em Ana Maria e ela percebeu que eles brilhavam de felicidade. Em seguida, o animalzinho virou-se rapidamente para o alto e pôs-se a subir com grande velocidade, até perder-se de vista. Naquela noite, Ana Maria sonhou com o parque do céu.

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